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BIOFILME: O INIMIGO INVISÍVEL – PARTE II

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BIOFILME: O INIMIGO INVISÍVEL – PARTE II

Biofilme: o inimigo invisível

 

Parte II

Como vimos no texto anterior (Biofilmes: o inimigo invisível -Parte I), os biofilmes se tornaram um grande desafio na ciência da saúde. No que tange aos processos de esterilização e desinfecção, a presença de biofilmes nos artigos é uma dificuldade que não apresenta horizonte imediato para sua resolução.  Nesta parte II do assunto sobre biofilmes vamos apontar os principais problemas referentes ao processamento de artigos e o papel do enfermeiro em cada etapa do processo.

 

Os enfermeiros que atuam nas CME necessitam compreender como ocorre a formação dos biofilmes, tendo em mente que as indicações de processamento de artigos devem levar em conta este conhecimento.

 

A remoção dos biofilmes é extremamente difícil. Por sua vez, a presença de biofilme em determinado artigo irá interferir com os processos de esterilização e desinfecção. Assim sendo, é importante que o enfermeiro busque atuar tanto no aspecto da prevenção da formação de biofilmes quanto na eliminação dos mesmos.  Muitos enfermeiros acreditam que a sua atuação no caso dos biofilmes se restringe apenas ao desenvolvimento de protocolos de processamento, mas como veremos a seguir, este profissional tem um papel de destaque em toda a cadeia de decisões que envolvem este assunto.
Seleção de artigos

 O enfermeiro deve atuar na prevenção de biofilmes desde a seleção de artigos a serem utilizados na prática da saúde. Sabe-se que componentes plásticos são mais propensos a aderência de microrganismos. Portanto, deve-se priorizar artigos cuja matéria prima seja de metal, particularmente o aço inoxidável de qualidade apropriada. A qualidade apropriada do aço inoxidável irá reduzir a chance de formação de pontos de corrosão. É importante conversar com a equipe que irá executar os procedimentos, a fim de selecionar o artigo que melhor atenda a facilidade na execução dos mesmos, sem perder de vista as características que favorecem a sua limpeza. Deve-se dar preferência aos artigos facilmente desmontáveis, com o menor número de reentrâncias possíveis e que tolerem bem a ação de agentes limpantes químicos e mecânicos.

 

Seleção dos equipamentos

Os equipamentos para o processamento de artigos devem levar em conta não somente a maior eficiência para a finalidade a que se destina (limpeza, desinfecção ou esterilização), mas também evitar que sejam também eles mesmos pontos de formação de biofilme. Afinal, em muitas situações, as superfícies de equipamentos apresentam todos os elementos necessários para a formação de biofilmes, ou seja, superfícies banhadas por líquidos + presença de microrganismos. Então seria ideal que todos os equipamentos com estas características possuíssem algum sistema de autolimpeza. Se isto não for possível, o equipamento deve permitir a limpeza periódica e o fabricante deve claramente indicar os produtos e a freqüência recomendados para esta ação.

Desenvolvimento de protocolos de processamento

É fundamental que o enfermeiro desenvolva uma atitude crítica quanto aos protocolos de processamento de artigos. Ter em mente os elementos que favorecem a formação de biofilmes irá direcionar as ações previstas nestes protocolos. É fundamental que os artigos não fiquem banhados por líquidos durante tempo prolongado. Seja qual for este líquido (sangue, água, solução enzimática), a tríade de elementos de formação de biofilme estará presente, o que não é desejável.

 

O papel da solução enzimática na formação de biofilmes

As soluções enzimáticas para a limpeza de produtos para saúde são compostas de enzimas (geralmente lipase, protease e amilase), surfactantes e solubilizantes. Atuam especificamente sobre a matéria orgânica presente nos instrumentos, quebrando as ligações moleculares existentes nas gorduras, proteínas e carboidratos. Esta quebra ocorre por meio de reações químicas catalisadas pelas enzimas, com ligações altamente específicas entre o substrato e as enzimas.

As soluções enzimáticas são altamente recomendadas para a limpeza de produtos para saúde devido a sua eficácia na remoção de sujidade. Mas é fundamental que sejam utilizadas na concentração correta para sua efetividade e eficiência. Sendo assim, os protocolos de reprocessamento devem prever o manejo apropriado para a correta diluição do produto. Além disto, o uso de ação mecânica para complementação da ação da solução enzimática é fundamental.

Entretanto, é importante destacar que as soluções enzimáticas não possuem ação germicida, o que equivale a dizer que os microrganismos presentes no material continuam vivos na solução enzimática utilizada para a imersão dos produtos. Quando o produto é removido do banho de solução enzimática e recebe ação mecânica de limpeza seguida de enxágüe, ocorre uma redução significativa de microrganismos no artigo, pois a maior parte destes estava aderido à matéria orgânica. Após a secagem, a multiplicação de microrganismos fica bastante limitada, pois o substrato para o crescimento de microrganismos foi eliminado do produto.Porém os microrganismos que permaneceram na solução enzimática se mantêm ainda em um ambiente úmido e favorável para o seu desenvolvimento, onde há presença de proteínas residuais de matéria orgânica e das próprias enzimas, as quais também são moléculas protéicas. Se um produto para saúde permanecer por tempo prolongado na solução enzimática, acima do tempo recomendado pelo fabricante, há um risco potencial de formação de biofilme sobre a superfície do produto para saúde, pois o tempo de exposição é fator determinante para a adesão de microrganismos. Quanto maior o tempo de permanência do produto na solução enzimática, maior o risco de formação de biofilme no produto para saúde. Sendo assim, os protocolos de limpeza devem recomendar um tempo preciso de imersão dos produtos e determinar a remoção imediata do mesmo após este tempo.

 

Falhas na limpeza: um importante componente na formação de biofilmes

 Os profissionais da CME que realizam a limpeza dos artigos devem estar cientes de que falhas na limpeza podem permitir que a matéria orgânica residual se acumule, protegendo os microrganismos contra o efeito dos agentes desinfetantes e esterilizantes. Falhas subseqüentes na limpeza vão propiciando um ambiente favorável a formação de biofilmes, que como sabemos têm difícil remoção.

Os responsáveis pela limpeza precisam estar conscientizados que a desmontagem completa do artigo, utilização de escovas apropriadas, uso de limpeza ultra-sônica para artigos com lumens, são recursos essenciais. A remoção do complexo matéria orgânica + enzimáticos deve ser feita utilizando-se jatos de água sob pressão. Devem estar cientes também que resíduos de solução enzimática nos produtos para saúde podem induzir a reações orgânicas altamente indesejáveis.

Muitas vezes, as falhas na limpeza não são claramente perceptíveis a olho nu, portanto, recomenda-se a adição de recursos que favoreçam a inspeção da efetividade da remoção de matéria orgânica, por meio da utilização de lupas e sistemas de iluminação complementar.

 

Como estratégia complementar, é indicado que as CME desenvolvam protocolos de limpeza com avaliação da efetividade da mesma. É recomendada a adoção de indicadores de processo, buscando sistematizar esta avaliação, que deverá ser feita em períodos determinados, verificando dentre uma amostra de produtos inspecionados, quantos não estavam em conformidade com o padrão estabelecido. É altamente desejável a utilização de algum tipo de indicador químico para avaliação de sujidade residual, que seja capaz de detectar hemoglobina ou proteína. É fundamental que esta avaliação seja registrada e que seja feita a retro-alimentação para os profissionais que realizam a limpeza, pois o seu objetivo é educativo e não punitivo.

 

O trabalhador da CME: um aliado fundamental na prevenção da formação de biofilmes

 Insumos, equipamentos e protocolos são componentes cujo benefício no processo é altamente dependente da qualificação dos profissionais que os manejam. Nenhum sistema será efetivo e eficiente sem a qualificação, o treinamento, a supervisão e a atualização contínua dos profissionais envolvidos, sendo papel dos enfermeiros atuam nesta esfera dos recursos humanos. Estratégias para estimular a motivação dos profissionais também devem ser adotadas de maneira regular.

 

Bibliografia

 

Alfa MJ, Howie R. Modeling microbial survival in buildup biofilm for complex medical devices BMC Infect Dis. 2009; 9: 56.

Balsamo AC. Avaliação da eficácia da limpeza e desinfecção de alto nível na remoção do biofilme em canais de endoscópios. Tese de Doutorado. Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009.

Gilbert P, McBain AJ. Biofilms: Their impact on health and their recalcitrance toward biocides. Am J Infect Control 2001;29:252-5

Pajkos A, Vickery K, Cossart Y. Is biofilm accumulation on endoscope tubing a contributor to the failure of cleaning and decontamination? Journal of Hospital Infection (2004) 58, 224–229

Vickery K, Pajkos A, Cossart Y. Removal of biofilm from endoscopes: Evaluation of detergent efficiency. Am J Infect Control 2004;32:170-6.

 

Maria Clara Padoveze é Professora Doutora do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva, da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.

 

A opinião deste artigo é de responsabilidade da autora

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