O vírus ebola, que já matou mais de 2,3 mil pessoas em três países da África Ocidental, parece ainda estar longe do Brasil. No entanto, o ebola vem causando grande preocupação aos trabalhadores do Porto de Santos, no litoral de São Paulo. Sem muitas informações sobre a doença e formas de contágio, os estivadores e conferentes têm contato direto com a tripulação de navios procedentes de países como Nigéria, Congo e Libéria –nos quais foram registrados centenas de casos da doença– e afirmam não se sentir seguros.
Nesta semana, o Porto de Santos deve receber um navio que passou por Lagos, capital da Nigéria. Ele está fundeado na Barra de Santos (área onde as embarcações aguardam para adentrar ao porto) e já recebeu certificação da Anvisa no dia 20 de setembro. A previsão para atracar no porto santista é no próximo sábado (27). Se neste período algum tripulante manifestar sintomas do vírus ebola, fica aberta a possibilidade de que essa informação demore a ser repassada à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), afirmam trabalhadores.
“A própria Anvisa nos passou que os responsáveis pela embarcação podem negar que há tripulantes doentes a bordo”, diz Rodnei Oliveira da Silva, presidente do Sindicato dos Estivadores de Santos. “Deveria haver uma preocupação maior da Anvisa e do governo federal. Aqui entre nós há um receio de contaminação até porque somos os primeiros a ter contato com a tripulação”.
Silva reforça que o risco de contaminação existe e que faltam informações aos trabalhadores portuários. “Foi o sindicato quem buscou maiores detalhes [sobre a doença]. A Anvisa disse que iria repassar um informativo aos trabalhadores e não fez isso. Precauções maiores deveriam ser tomadas como ocorrem em outros países”, complementa o presidente do sindicato, sem descartar uma paralisação, caso a situação venha a se complicar. “Se os estivadores entenderem que devem se negar a trabalhar por um eventual risco, nós vamos assumir esta posição”.
Os conferentes são outra categoria que lida diretamente com as tripulações dos navios. Marco Antônio Sanches, presidente do Sindicato dos Conferentes de Carga e Descarga do Porto de Santos, entende que é necessário um esclarecimento por parte das autoridades. “Está faltando algo pontual, que eles nos digam como lidar e que cuidados tomar [com navios de países onde há casos de ebola]. A Anvisa fez um primeiro contato, mas não foi realizado um trabalho mais profundo”.
Além de comandar a entidade, Sanches também atua dentro do navio. “Claro que existe o temor”, diz em relação ao contágio com o ebola. “Alguns colegas comentam que estão incomodados. Mas não é uma preocupação efetiva. Tem o impacto da notícia na primeira semana, mas no dia a dia não vemos mais isso com tanta ênfase”.
Antônio de Freitas Ferreira, 62, é conferente de carga e trabalha há 41 anos em atividade portuária. “Às vezes fico das 7 às 13 horas dentro do navio em contato com a tripulação. Tenho receio, pois não sei se os controles são tão rigorosos assim. Existe margem de erro”, afirma.
Ferreira diz que não é a primeira vez que lida com esse tipo de situação no Porto de Santos. “Foi assim com a gripe suína, com a gripe aviária, entre outras epidemias”, cita.
Anvisa
Para operar nos portos brasileiros, qualquer embarcação necessita da apresentação do Certificado de Livre Prática. A emissão do documento, que é de competência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), demanda a apresentação de comprovantes de regularidade do navio e da situação clínica dos tripulantes.
Por meio de nota, a Anvisa destaca três situações possíveis em relação à liberação de embarcações nos portos. A primeira é quando o navio não passou em área afetada pelo ebola nos últimos 21 dias. Neste caso, o Certificado de Livre Prática é concedido via rádio após análise documental ou a bordo, conforme rotina
A segunda situação citada pela Anvisa considera se a embarcação passou em área afetada pelo vírus nos últimos 21 dias, mas não tem casos suspeitos a bordo. Assim, a Livre Prática é emitida via rádio após análise documental, inclusive com a solicitação de cópia de Livro de Bordo, que permite a identificação de eventuais situações ou casos suspeitos. Caso seja necessário, fiscais da vigilância podem subir a bordo do navio para verificação mais detalhada de questões sanitárias.
Segundo a agência, os navios que tenham registro de circulação em áreas afetadas pelo ebola nos últimos 21 dias só recebem o Certificado após análise detalhada da situação de bordo (verificação de documentos complementares tais como registro médico de bordo, registro de consumo de medicamentos, etc.).
De acordo com representantes dos estivadores e conferentes, o problema é que essa análise é insuficiente, já que a liberação, na maioria dos casos, ocorre via rádio. Apenas em alguns casos, os agentes são enviados a bordo para checagem. Mesmo com a gravidade da doença, a Vigilância Sanitária leva em conta principalmente as informações dos comandantes das embarcações, obrigados a prestar esses dados devido a um tratado internacional.
O cenário mais grave seria o de uma embarcação que passou em área com transmissão nos últimos 21 dias e tem casos suspeitos a bordo. Neste caso, a providência é o isolamento a bordo e desembarque mais rápido possível para hospital de referência. Esse transporte tem de ser feito por ambulâncias específicas do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).
Questionada pelo UOL, a Anvisa não se posicionou sobre a prestação de informações aos trabalhadores do Porto de Santos.
Fonte: UOL Notícias Saúde