Nós tivemos o privilégio de realizar entrevista com uma das mais renomadas consultoras no segmento da esterilização de produtos para saúde, a enfermeira Cynthia Spray, além de muito receptiva aos nossos questionamentos o conteúdo é bastante enriquecedor e acreditamos que este contato irá estreitar as oportunidades de trocas de conhecimento e educação.
Nas primeiras respostas a entrevistada aborda questões sobre sua trajetória profissional e comenta as características da atuação do enfermeiro em seu país. A Cynthia destaca a importância da Certificação. Na minha opinião acredito que esta também deveria ser uma das metas da CME no Brasil, pois o avanço da tecnologia coloca no mercado produtos, instrumentos cirúrgicos e acessórios cada vez mais complexos que exige da equipe conhecimento , práticas de processamento embasadas em evidências para superar os desafios de um processamento eficaz em especial contra os patógenos super-resistentes que colocam em risco a segurança do paciente. Dando continuidade a entrevista direcionamos os questionamentos a um outro aspecto que impacta diretamente no processamento dos produtos para saúde , as Instruções de Uso do fabricante, e a importância das mesmas na prática diária das CMEs. A entrevistada foi extremamente didática , subsidiou as suas respostas com referencial teórico que permite ao leitor complementar as informações obtidas nessa entrevista.
Á você Cynthia mais uma vez somos muito gratos.
Boa leitura a todos!!!
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Cyntia nós gostaríamos de saber um pouco mais sobre você. Você poderia, por favor, nos falar sobre você? Sua experiência, o que você faz, suas credenciais profissionais… E também um pouco sobre suas preferências pessoais (ou hobbies…)
Eu me aposentei oficialmente da Johnson & Johnson em 2007, mas não parei de trabalhar. Atualmente presto consultoria em unidades de saúde para prepará-los para inspeções da Joint Commission (organismo de acreditação de unidades de saúde com base nos Estados Unidos). Também apresento muitas palestras ao longo do ano. Meu foco é processamento de instrumentais cirúrgicos. Eu sou co-presidente atual do grupo de trabalho da AAMI (Associação para o Avanço da Instrumentação Médica) que escreve as normas de esterilização a vapor para os Estados Unidos. O documento é o Guia Completo À Esterilização a Vapor e Segurança de Esterilidade em Unidades de Saúde ST79. Por fim, presto consultoria para várias empresas que desenvolvem produtos para cirurgia e processamento instrumental. Sou uma Enfermeira Registrada (RN) e tenho mestrados em Administração de Enfermagem e um mestrado em Educação. No meu tempo livre, gosto de ler, assistir filmes clássicos e fazer qualquer atividade ao ar livre. Muitas vezes, ando de bicicleta ao longo do Rio Hudson na cidade de Nova York, onde moro.
Atualmente, como a Sociedade Americana (geral) enxerga os enfermeiros?
O público americano AMA enfermeiros e tem grande confiança neles – mais confiança que nos médicos. Mais e mais enfermeiros estão começando suas próprias práticas e o número de pacientes que vão a um enfermeiro licenciado em clínica geral está crescendo. Eu mesma me consultei com um enfermeiro licenciado em clínica geral quando fiquei doente.
E qual é a percepção geral – da Sociedade Americana – sobre as Centrais de Material e Esterilização? E, falando especificamente sobre CME, como o profissional envolvido nesse departamento é percebido por outros colegas no hospital, tais como médicos, engenheiros e, especialmente, por outros enfermeiros e pessoal de enfermagem?
Por muito tempo, o trabalho do pessoal que processa instrumentais era basicamente desconhecido pelo público, e havia pouco apreço pela natureza crítica do trabalho de processamento de instrumentais cirúrgicos, a fim de torná-los seguros para o uso em pacientes. Isso está mudando rapidamente. Aqui nos EUA, houve várias ocorrências de pacientes que morreram por causa de endoscópios flexíveis que não foram devidamente limpos e desinfectados ou esterilizados. Estas ocorrências apareceram em jornais e em canais de notícias de televisão para que o público conhecesse mais as CMEs e as pessoas que processam instrumentais. Hoje, médicos e enfermeiros, especialmente enfermeiros de Controle de Infecção, estão cada vez mais conscientes da CME e da necessidade de se comunicar com as pessoas que trabalham lá para compartilhar informações. Hoje a CME é um tema muito debatido e há muito mais consciência do que a CME faz e como é importante. Os médicos, no entanto, ainda têm um conhecimento mínimo do que é feito na CME.
Você concorda com a afirmação de que somos a profissão do futuro? Por favor, comente um pouco sobre isso.
Eu acho que o processamento de instrumentais e aparelhos cirúrgicos é definitivamente uma profissão que vai continuar a ganhar reconhecimento. Quatro estados nos EUA agora exigem que os técnicos que processam instrumentais sejam certificados. Isso significa que eles devem fazer e passar em um exame no prazo de dois anos de emprego, se trabalharem em uma CME. Mesmo nos estados onde a certificação ainda não é um requisito, muitas unidades de saúde já fazem da certificação um requisito para trabalhar na CME.
Quais são as consequências legais quando o usuário não segue as Instruções de Uso do Fabricante (IFU)?
Se um paciente for prejudicado porque um dispositivo não foi devidamente ou adequadamente limpo, desinfectado ou esterilizado, e o paciente processa a unidade de saúde porque as instruções para processamento não foram seguidas, a unidade de saúde será responsável e será obrigada a compensar a família do paciente. A quantidade de dinheiro vai ser negociada. Até o momento, ninguém que trabalha em CME foi acusado de crime quando as instruções não foram seguidas.
Quais são as implicações legais para o fabricante quando o usuário segue a IUF, mas enfrenta um incidente adverso?
O fabricante será multado, vai pagar uma quantia para o paciente e/ou para a família, e será sujeito a qualquer ação que o FDA (Food and Drug Administration) decidir. Em algum momento, o fabricante será obrigado a retirar seu produto do mercado.
É uma ação de rotina – para a CME, nos EUA – notificar os órgãos reguladores sobre IFUs inadequadas? Você tem indicadores que poderiam mostrar essas notificações?
O pessoal da CME não é obrigado a reportar esses casos a menos que um paciente seja prejudicado. No entanto, o pessoal da CME é encorajado a denunciar casos em que as instruções sejam inadequadas, vagas, difíceis de entender, incompletas, etc. para o FDA em seu programa MedWatch. É muito simples. O técnico pode chamar um número de telefone dedicado e relatar o problema, ou pode preencher um formulário on-line.
O FDA sabe da importância de instruções de processamento de instrumental, e que eles são, muitas vezes, inadequados. Em resposta a muitas queixas, o FDA emitiu recentemente um total de 26 páginas com diretrizes atualizadas para “rotular” dispositivos. A rotulagem refere-se às instruções de uso.
Você tem alguma evidência científica que confirma a correlação entre IFUs e risco de contaminação?
Estou anexando artigos que estão relacionados ao risco de contaminação e instruções de uso – especialmente duodenoscópios.
http://www.cdc.gov/hai/organisms/cre/cre-duodenoscope-surveillance-protocol-FAQs.html
http://www.fda.gov/MedicalDevices/Safety/AlertsandNotices/ucm454766.htm?utm_mediu
Em sua opinião, qual é a associação entre IUF e Segurança do Paciente, considerando a CME em particular?
As instruções de uso são baseadas nos testes de validação que o fabricante realizou. As instruções especificam como o produto deve ser processado para torná-lo seguro ao uso no paciente. Quando não se segue essas instruções, o paciente é definitivamente colocado em risco. A regra de ouro é “não causar danos” e quando não se segue as instruções de uso, corre-se o risco de prejudicar o paciente.
De acordo com sua resposta anterior, podemos presumir que a IUF deve ser validada pelo fabricante, assim como seu impacto sobre a segurança do paciente?
COM TODA CERTEZA.
Como as CMEs poderiam gerir melhor as numerosas IUFs existentes para garantir informação adequada aos funcionários quando estes precisam dessas informações?
É extremamente difícil manter as instruções de uso para todos os dispositivos e equipamentos em uma CME. Muitas vezes, eles não podem ser encontrados, não estão organizados e podem não estar atualizados. Por conta disso, milhares de unidades de saúde nos Estados Unidos têm contratado uma empresa que administra esses documentos. Eles são inseridos em uma base de dados informatizada. Se as instruções que se está procurando não estão em sua base de dados, eles vão atrás disso. A empresa vai enviar atualizações para as instruções conforme elas vão sendo disponibilizadas. Eles têm pessoal em tempo integral que regularmente contata os fabricantes para obter as últimas instruções. Atualmente, existe uma empresa nos EUA para este processo. A empresa OneSource foi iniciada por uma enfermeira de CME que viu a necessidade deste serviço. Você pode saber mais sobre esta empresa visitando o www.onesourcedocs.com.
Como tornar o conteúdo da IUF acessível e de fácil compreensão para implementação pela equipe da CME?
Até que se tenha uma empresa de gestão de documentos no Brasil, você pode configurar um sistema de arquivamento que arquive instrumentais por fabricante e pelo nome do dispositivo. O importante é atribuir a responsabilidade a um membro do pessoal. Você deve disponibilizar tempo para a pessoa atualizar este sistema, pois é muito trabalhoso e requer muitos contatos com fabricantes de dispositivos para se obter as últimas informações. Você não pode sempre contar com a pessoa de vendas para obter as últimas informações ou a informação que você está procurando. É claro que você terá de treinar a equipe sobre o sistema e precisará checar se eles conseguem acessar quaisquer instruções que você especifique. Isso deve ser parte de uma avaliação de desempenho anual. Recomendo que você faça uma pesquisa simulada ou auditoria pedindo que um membro do pessoal obtenha algumas instruções específicas e observe se eles as estão seguindo.
Existe alguma regulamentação ou padrão a ser adotado/seguido pelos fabricantes quando eles estão preparando uma Instrução de Uso?
Sim, o FDA tem muitas exigências relacionadas às instruções de uso. Se os requisitos não forem cumpridos, o FDA não permitirá que o produto seja vendido.
Há circunstâncias em que o conteúdo de uma IUF entra em conflito com as recomendações dadas pelo representante de vendas do fabricante local. O que a CME deve fazer nessas situações?
Esta é uma situação muito difícil, mas, infelizmente, acontece regularmente. A primeira coisa a fazer é entrar em contato com o fabricante diretamente para ver se isso pode ser resolvido. Você deve sempre seguir as instruções por ESCRITO do fabricante e não apenas recomendações do representante de vendas.
Qual é a sua experiência com CMEs terceirizadas e uso de IUFs? Você acredita que eles podem trabalhar em harmonia?
Eu acho que você só deve terceirizar o processamento de instrumental para uma empresa que você tenha avaliado para ver se eles estão seguindo as instruções de uso. Isto é crítico. Empresas terceirizadas nos EUA seguem as instruções de uso e eles assumem responsabilidade legal para dispositivos que não são devidamente processados. Acredito que empresas terceirizadas e fabricantes podem trabalhar juntos – ambos têm um objetivo comum para garantir que os dispositivos sejam seguros para o uso no paciente.
No Brasil, um dos grandes desafios enfrentados pelas CMEs é o sistema de abastecimento via consignação (dispositivos ortopédicos, principalmente). Qual é a sua opinião com relação à rastreabilidade computadorizada desses itens?
Gerenciar instrumentais ortopédicos consignados é uma grande preocupação nos Estados Unidos e unidades de saúde tornaram-se muito rigorosas com fornecedores ortopédicos. Políticas frequentemente incluem que os instrumentais sejam entregues à CME pelo menos 24 horas antes da cirurgia, de modo que possam ser processados na CME, devem ser entregues à CME e não à Sala de Operação, não podem passar por esterilização flash (uso imediato), devem ser inventariados pela CME e pelo vendedor, o vendedor deve fornecer as instruções de uso antes ou no momento da entrega, os instrumentais devem ser retirados pelo fornecedor no prazo de 24 horas após o uso, ou o fornecedor terá de pagar uma taxa de “armazenagem”. A unidade pode ter muitos outros requisitos que o fornecedor deverá atender bem.
Existem muitos sistemas de rastreamento que podem ajudar a gerenciar o uso de instrumentais consignados e eu recomendo fortemente que cada unidade que utilize instrumentais consignados use um sistema de rastreamento. Além de gerenciar os instrumentais, os instrumentais devem definitivamente ser rastreados para o paciente em quem serão usados.
Ainda em relação à consignação, especialmente no segmento ortopédico, como podemos atestar se as IUFs recebidas estão atualizadas?
A melhor maneira é entrar em contato com o fabricante para determinar se você tem as instruções mais recentes. Você também pode ir ao site do fabricante, porque quando há atualizações normalmente estas são publicadas.
Cynthia Spry, Enfermeira Registrada (RN), possui mestrados em Educação e Enfermagem e tem mais de 30 anos de experiência no campo de serviços cirúrgicos com foco em esterilização e desinfecção. Ela agora é consultora independente especializada em processamento de instrumentais utilizados em cirurgia. Ela presta consultoria em ambas as unidades ambulatoriais e hospitalares. Ela também presta consultoria a um número de empresas bem conhecidas que vendem produtos voltados ao mercado de processamento estéril. Ela se aposentou da Advanced Sterilization Products, uma empresa Johnson & Johnson, onde trabalhou por 12 anos como consultora internacional em esterilização e desinfecção, onde era responsável por introduzir novas tecnologias de esterilização e elevar os padrões de práticas para prevenção de infecções em local cirúrgico. Cynthia é membro da APIC (Associação Para Profissionais em Controle de Infecção e Epidemiologia), IAHCSMM (Associação Internacional de Gestão de Material de Serviço Central de Saúde) e AORN (Associação de Enfermeiros Registrados) onde já foi a presidente nacional. É autora de mais de 75 publicações, dois textos de enfermagem, e foi a principal autora de três diretrizes AORN baseadas em evidências. Apresentou seminários sobre vários temas relacionados à saúde em todo o mundo. Cynthia é também membro de vários Grupos de Trabalho da AAMI (Associação para o Avanço da Instrumentação Médica) escrevendo e atualizando práticas recomendadas. Ela é co-presidente da comissão responsável pelo Guia Completo À Esterilização a Vapor e Segurança de Esterilidade em Unidades de Saúde ST79. O ST79 é reconhecido como o padrão para esterilização a vapor nos Estados Unidos.