Search

BIOFILME: O INIMIGO INVISÍVEL

image_pdfimage_print

Biofilme: o inimigo invisível

 

Parte I

 

 

Muito tem sido discutido sobre a importância dos biofilmes no cenário da saúde. Neste texto, faremos uma abordagem explicativa do que são biofilmes, como se formam, onde se localizam e qual a vantagem da organização desta comunidade estruturada. No texto subseqüente, abordaremos especificamente a implicação dos biofilmes no que se refere aos processos de esterilização e desinfecção (Biofilme: o inimigo invisível – Parte II).

 

O que são os biofilmes?

 

Nos últimos anos, com o progresso do conhecimento científico, reconheceu-se a formação de biofilmes e seus potenciais danos para a saúde, em diversos segmentos de atividades humanas. Os biofilmes microbianos são comunidades de células aderidas a uma superfície e entre si e embebidas por uma matriz de substâncias extracelulares poliméricas. Estas substâncias poliméricas são produzidas pelos próprios microrganismos, com a finalidade de aumentar a sua chance de sobrevivência em um determinado meio. Estas substâncias de produção microbiana são também denominadas slime.

 

Na natureza, as bactérias que vivem livres em um meio líquido, onde estão dispersas, são denominadas como bactérias planctônicas. Quando estas bactérias planctônicasestão aderidas a uma superfície, passam a ser denominadas de bactérias sésseis. No estado séssil estas bactérias se diferenciam da sua condição planctônica, porque vivendo em comunidades estruturadas passam a adquirir algumas vantagens de sobrevivência.

 

Qual é a composição do biofilme e como ele se forma?

 

O biofilme pode apresentar uma ou mais espécies de microrganismos, dependendo do seu tempo de duração e sua localização. Pode envolver bactérias Gram-positivas, Gram-negativas e leveduras. Além de bactérias, outros elementos celulares podem estar agregados no biofilme, como plaquetas, por exemplo, quando o biofilme está instalado em superfície banhada por sangue.

 

A primeira fase da formação do biofilme é a adesão primária a uma superfície. Esta adesão irá depender tanto de elementos microbianos, como do tipo de superfície e do ambiente no qual a superfície está inserida.

 

A adesão das células microbianas a uma superfície pode se dar ao acaso ou ser induzida por quimiotaxia em função das características químico-físicas da superfície. A composição da superfície determina interações eletrostáticas ou hidrofóbicas que podem favorecer a formação de biofilmes. Portanto, determinados tipos de materiais predispõem à formação de biofilmes, como certos polímeros. Por outro lado, acredita-se que superfícies impregnadas com antimicrobianos ou prata poderiam produzir uma interação desfavorável à deposição celular. Nesta fase de adesão, a interação com estruturas do hospedeiro, como plaquetas e fibrinas, tendem também a favorecer a formação do biofilme. Contam para o processo de adesão alguns elementos de virulência de microrganismos, denominadas adesinas, que são os pilis e as fimbrias.

 

A partir de então, ocorre a adesão secundária, também chamada de ancoragem, quando as células microbianas passam a produzir a matriz de polissacarídeo agregando os elementos ancorados no biofilme. Esta adesão secundária, portanto, gera uma firme camada de elementos sólidos, onde se encontram embebidos na matriz de polissacarídeo os elementos celulares bacterianos e os do hospedeiro. A coesão de todos estes elementos entre si e a sua adesão à superfície são tão poderosas que muitos autores consideram que, uma vez formado, o biofilme será irreversível.

 

Diversos fatores contribuem para a velocidade da formação de biofilmes. Esta taxa deadesão depende primariamente do número e tipo de células presentes no líquido ao qual a superfície está exposta e da taxa de fluxo deste líquido através da superfície. As propriedades físico-químicas da superfície, a composição nutricional e temperatura do ambiente também irão interferir nesta velocidade. A presença de antimicrobianos no meio pode afetar a formação de biofilmes.

 

Alguns microrganismos, pelas suas características fenotípicas e genotípicas, estão mais freqüentemente associados à produção de biofilmes. São eles: Candida albicans, Staphylococcus coagulase negativa, Enterococcus spp, Klebsiela pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa e Staphylococccus aureus.

 

Por quê os microrganismos se organizam em biofilmes?

 

Existem muitas vantagens biológicas para os microrganismos no fato de poderem se organizar em biofilmes. A primeira vantagem é o fato de que a matriz de polissacarídeo oferece um ambiente protetor às células microbianas, dificultando a penetração de agentes germicidas. A matriz de polissacarídeo age como uma barreira de filtragem, gerando uma penetração lentificada ou reduzida de agentes antimicrobianos em geral, quer sejam antibióticos ou germicidas químicos.

 

Esta forma de organização também favorece a captação de elementos necessários à sobrevivência, porque a sua morfologia é estruturada de modo a favorecer a circulação de água, oxigênio e nutrientes, assim, os elementos nutritivos presentes nos fluídos que circulam tendem a se depositar neste aglomerado celular. Embora esta aglomeração possa produzir um acúmulo de metabólitos tóxicos provenientes do processo de vida celular, existe uma compensação para este problema, que é a capacidade de crescimento organizado dos microrganismos quando estão em biofilmes.

 

A organização da vida em grupo no biofilme é chamada de “corum sense”. corum sense pode ser entendido como um “sentido de grupo”, ou seja, trata-se de uma comunidade organizada, onde as células se comunicam entre si por meio de moléculas químicas, estimulando o processo de  multiplicação e crescimento do grupo quando o ambiente é favorável e há nutrientes suficientes ou determinando a redução do metabolismo celular, quando há ausência de nutrientes ou excesso de metabólitos tóxicos. Estando as células em fase estacionária há uma conseqüente redução na atividade de antibióticos, dado que muitos destes agentes atuam justamente nas fases de multiplicação celular.

 

Onde se localizam os biofilmes?

 

É reconhecida atualmente a multiplicidade de situações em que os biofilmes ocorrem. Em camadas de solos e ambientes aquáticos eles ocorrem naturalmente. Nos ambientes urbanos, podem estar presentes em sistema de tubulações de água e esgoto, reservatórios de água e edificações. Basicamente, em qualquer ambiente que combine a presença de líquido + superfície + microrganismos, a presença de biofilmes pode ocorrer. Para nós que atuamos na área da saúde, há também uma diversidade de situações possíveis, desde a formação de biofilmes em dispositivos médicos diretamente ligados ao paciente, até a presença dos mesmos em máquinas ou tubulações em contato indireto com o indivíduo.

 

Entre os dispositivos médicos mais afetados pela ocorrência de biofilmes, temos as próteses (ortopédicas, cardíacas, vasculares) e os cateteres (vasculares, urinários ou de sistema nervoso). Estes dispositivos possuem a combinação perigosa de um meio líquido altamente nutriente e com potencial presença de microrganismos e a superfície porosa de polímeros. As fontes potenciais de microrganismos são: a) o próprio paciente, pela pele e mucosas, focos de infecção à distância ou bacteremias, b) os profissionais de saúde, pelas mãos, por meio de contaminação durante procedimentos, e c) do ambiente, pela água e anti-sépticos contaminados.

 

Os biofilmes podem também produzir variedade de implicações nosológicas no ser humano e, algumas delas são independentes da presença de dispositivos médicos. Como exemplo, temos a formação de placa bacteriana nos dentes, a formação de fibrose cística no pulmão, e a prostatite nas vias urinárias. Nestes casos, a superfície de formação dos biofilmes são as próprias estruturas corporais.

 

O fenômeno do biofilme se tornou de tal modo importante que alguns autores consideram que até 60% das infecções hospitalares têm participação de algum tipo de biofilme em sua patogênese. Por certo, os biofilmes estão claramente associados com infecções onde há presença de corpos estranhos, como a sonda vesical de demora, o cateter venoso central, os implantes cirúrgicos, entre outros. A inoculação de microrganismos nestes ambientes com dispositivos pode ocorrer durante a implantação cirúrgica ou a manipulação dos mesmos. No caso de cateteres venosos centrais que são muito manipulados, é maior a chance de inoculação de microrganismos procedentes das mãos dos profissionais e de infusões contaminadas. Evidentemente, quanto maior o tempo de permanência, maior a probabilidade de formação de biofilme e de sua implicação na presença de infecções.

 

Como prevenir a formação de biofilmes?

 

A prevenção de formação de biofilmes deve ser focada em dois aspectos principais: a) redução ao máximo da presença de microrganismos no ambiente; b) desenvolvimento de novos produtos com superfícies ou condições especiais que desfavorecem a adesão primária.

 

No primeiro aspecto estão as práticas ótimas de prevenção de infecção, tendo por princípio reservar a implementação de dispositivos invasivos para as situações absolutamente imprescindíveis, cuidando para interromper a utilização destes dispositivos tão logo seja possível. Além disto, as boas práticas de manejo de pacientes, artigos e ambientes, com ênfase na higiene das mãos e manuseio asséptico de itens esterilizados é essencial. Em muitas situações há que se controlar a carga microbiana presente na água.  No segundo aspecto, muitas pesquisas vem sendo realizadas com o intuito de desenvolver dispositivos com superfícies que promovam uma interação eletrostática desfavorável ou com impregnação de agentes germicidas como a prata, o iodo e outros antimicrobianos. Ainda, pesquisa-se substâncias que possam inibir a formação do biofilme ou mesmo dissolvê-lo. Entretanto, mesmo que estes recursos tecnológicos estejam disponíveis, a efetividade dos mesmos será reduzida se as boas práticas de prevenção de infecção não prevalecerem.

 

 

Bibliografia

Costerton W, Veeh R, Shirtliff M, Pasmore M, Post C, Ehrlich G.. The application of biofilm science to the study and control of chronic bacterial infections. J Clin Invest. 2003 Nov;112(10):1466-77. Erratum in: J Clin Invest. 2007 Jan;117(1):278.

Davey ME, O`toole GA. Microbial biofilms: from ecology to molecular genetics. Microbiol Mol Biol Rev. 2000 Dec;64(4):847-67. Review.
Donlan RM, Costerton JW. Biofilms: survival mechanisms of clinically relevant microorganisms. Clin Microbiol Rev. 2002 Apr;15(2):167-93.
Donlan RM. Biofilm formation: a clinically relevant microbiological process. Clin Infect Dis. 2001 Oct 15;33(8):1387-92. Epub 2001 Sep 20. Review.
Donlan RM. Biofilms: microbial life on surfaces. Emerg Infect Dis. 2002 Sep;8(9):881-90. Review.
Dunne WM Jr. Bacterial adhesion: seen any good biofilms lately? Clin Microbiol Rev. 2002 Apr;15(2):155-66.

Maria Clara Padoveze é Professora Doutora do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva, da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.

A opinião deste artigo é de responsabilidade da autora

Imprima sua noticia!

image_pdf
Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Pinterest