Ao oferecer as condições ideais desse tipo de contratação, o Estado beneficiará, sobretudo, a população desfavorecida, que contará com profissionais estimulados, infraestrutura adequada e equipes completas. As preocupações, no entanto, não se limitam ao campo assistencial.
A qualidade da formação dos futuros médicos também está sob ameaça. Chama atenção a quantidade de novos cursos médicos no Brasil. Em 24 anos, o número passou de 83 para 235 (aumento de 283%). Desde 2011, passaram a funcionar 58 deles (53% privados).
Esse quadro deixa o país no ranking mundial atrás apenas da Índia, que tem população seis vezes maior que a nossa e 381 escolas. Por ano, os 235 cursos em funcionamento no Brasil ofertam 20.539 novas vagas. Nos Estados Unidos, por exemplo, que têm 50% a mais de habitantes, esse total é de 17.364, distribuídas entre 141 escolas.
No Brasil, apesar de ilhas de excelência, a falta de critérios tem feito com que escolas funcionem com estruturas limitadas, sem laboratórios, sem hospitais de ensino e sem professores especialistas, mestres ou doutores. A intenção do governo federal de oferecer 11.447 novas vagas de graduação em medicina até 2018 amplifica o sinal de alerta.
O governo alega que esse aumento de vagas fixará médicos em áreas de difícil provimento. Trata-se de argumento falacioso. Estudos mostram que só 26% dos médicos fixam residência nos municípios de sua graduação. A permanência ocorre de forma significativa nos locais onde é feita a especialização. Sem atentar para esses aspectos, a proposta tem tudo para dar errado.
Além disso, causam inquietude as mudanças das diretrizes curriculares aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação, que priorizaram o internato dos alunos na rede pública. Na prática, estudantes poderão ser treinados até em postos de saúde. Sem estrutura nem professores em condições de proporcionar essa formação, a iniciativa camufla a real intenção do governo: suprir a carência do SUS com mão de obra barata.
Esses dilemas afetam os programas de residência médica. A oferta de uma vaga de especialização para cada formando, anunciada pelo Ministério da Educação, é inexequível. Não há hospitais preparados nem preceptores suficientes para orientar os futuros especialistas.
As medidas anunciadas para a assistência e o ensino da medicina nada têm de estruturantes. São açodadas e pecam por não enfrentar o debate com segmentos interessados –profissionais, universidades e a Comissão Nacional de Residência Médica. Preocupa-nos o futuro. O Brasil tem urgência em ser bem tratado e, para tanto, depende de uma ação responsável do Estado para encontrar, em parceria com a sociedade, as respostas que resgatarão a qualidade do ensino médico e da assistência na rede pública.
ROBERTO D’AVILA, 61, é presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM)
CARLOS VITAL, 62, é 1º vice-presidente do Conselho Federal de Medicina
MAURO BRITTO, 55, é conselheiro federal pelo Mato Grosso do Sul e representante do CFM na Comissão Nacional de Residência Médica
Fonte: Folha de S. Paulo – 21.07.2014