TERCEIRIZAÇÃO DA CENTRAL DE MATERIAL ESTERILIZADO (CME)

image_pdfImprimir notíciaimage_print

TERCEIRIZAÇÃO DA CENTRAL DE MATERIAL ESTERILIZADO (CME)

Nem impossível, nem tão simples.

A terceirização de prestação de serviços é uma prática freqüente em todo o mundo e crescente no Brasil. Com a perspectiva potencial de terceirização das CME no âmbito dos estabelecimentos de saúde, cabe aqui uma reflexão racional sobre o assunto.

 

Quais os princípios que fundamentam a idéia da terceirização?

 

O princípio da terceirização baseia-se na idéia de que as empresas devem concentrar seus recursos humanos para atender a atividade-fim da sua esfera produtiva e delegar para um terceiro a realização de tarefas secundárias. Desta forma, acredita-se que há vantagem em terceirizar as atividades ou produtos que se caracterizam como “meios”, favorecendo o foco na atividade principal sem desvios da energia de trabalho. Pretende-se também que a empresa que passa a ser considerada como “terceira” em uma relação comercial deva possuir características de alta especialização para executar aquela atividade-meio.

 

O exemplo mais comum na esfera de terceirização é a atividade de limpeza. Limpar não é a atividade principal da maioria dos estabelecimentos produtivos. Assim sendo, delegar esta atividade para uma outra empresa possibilita não somente eliminar o consumo de energia de trabalho com o assunto “limpeza”, como também recorrer a um prestador altamente qualificado para esta atividade. Este prestador, por sua vez, deverá desenvolver estratégias especializadas e possuir recursos humanos treinados para a realização de atividades de limpeza.

 

O conceito de terceirização pressupõe a perspectiva de minimização de gastos de energia produtiva da empresa com a realização e gerenciamento de atividades-meio, além de possibilitar a redução dos custos trabalhistas relacionados. Em teoria, a terceirização de atividades-meio traria todas as qualidades de um serviço bem feito, com grandes vantagens operativas e financeiras.

Contudo, na prática, a contratação de serviços de terceiros não é tão simples e nem isenta de riscos. Efeitos inesperados da terceirização podem ocorrer quando a sua aplicação não é pautada pela racionalidade. Do ponto de vista qualitativo, pode ocorrer uma seleção de prestador inadequado para o serviço, ou os termos do contrato de podem não atender as necessidades do requisitante, ou ainda, haver dificuldade para supervisionar se estes termos (mesmo que adequados) estão sendo efetivamente aplicados.

Do ângulo financeiro, a terceirização nem sempre é econômica, pois os serviços prestados por empresas qualificadas são, em geral, de alto custo. No segmento da saúde, devido as suas particularidades, os rigores de prestação de determinados serviços podem alcançar custos muito mais elevados do seriam para uma empresa de outra natureza.

Nos últimos anos, a febre da terceirização tem tomado conta dos estabelecimentos de saúde. No serviço público, a terceirização tem sido utilizada como uma estratégia para reduzir a folha de pagamento de servidores. A idéia de terceirizar tem dominado as mentes gerenciais e a prática de terceirizar em muitas situações passa até mesmo a não ser racional, quando se aplica a terceirização às atividades-fim. Foge completamente do princípio elementar da terceirização quando um serviço de saúde terceiriza a atenção prestada diretamente ao paciente por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e outros, porque neste caso, está sendo terceirizada a própria atividade-fim da instituição. Conseqüências danosas tendem a ocorrer, pois, em geral, há dificuldade de articulação gerencial de todas estas atividades prestadas, acarretando falhas na atenção integral ao usuário do serviço de saúde.

 

Há vantagens em terceirizar a CME?

A atividade da CME, caracterizada por ser uma atividade-meio, pode ser compreendida no âmbito da terceirização como aceitável. Na prática, a maior parte das instituições de saúde já possui experiências com a terceirização da esterilização de produtos termo-sensíveis, o que aponta para a possibilidade desta atividade ocorrer também no segmento dos artigos termo-resistentes. Além disto, muitas instituições antigas não comportam ajustar-se às exigências legais atuais para a adequada estrutura física dos ambientes de CME e as necessidades de reformas podem assumir custos elevados, sendo a terceirização uma saída possível.

É preciso, no entanto, cuidar para não cair em armadilhas, particularmente no que se refere à qualidade do serviço prestado, que é o ponto que deve receber a maior atenção. Quando se fala de qualidade, temos que considerar não somente todas as etapas do processamento, desde a limpeza até o controle da esterilização, como também aspectos operacionais, como o transporte e o tempo de “turnover” dos artigos. É importante que o estabelecimento de saúde esteja preparado com inventário suficiente para tolerar este tempo, sem comprometer a qualidade e a segurança do cuidado à saúde. No momento da qualificação do prestador de serviço terceirizado, é necessário assegurar que o mesmo esteja preparado para responder rapidamente às necessidades da instituição de saúde. É fundamental lembrar que em saúde, o grau de previsão e programação de atividades é sempre relativo, pois a qualquer momento podem ocorrer eventos inesperados que requeiram mudanças súbitas (acidentes em massa, epidemias, etc).

Atualmente a legislação em CME não regula a terceirização deste setor. Este cenário brevemente irá modificar-se, visto encontrar-se em fase de finalização a avaliação das sugestões enviadas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) pela ocasião da publicação da Consulta Pública n. 34, de 2009, que dispõe sobre o funcionamento de serviços que realizam processamento de produtos para a saúde. Esta consulta pública irá contemplar a regulamentação também no âmbito das empresas reprocessadoras de produtos para saúde.

 

Ao optar pela terceirização, que isto não seja apenas um mecanismo para varrer sob o tapete as demandas por um trabalho qualificado em CME, o qual deve primar por ser executado por profissionais com formação em saúde e capazes de compreender e adaptar-se à dinâmica assistencial e não somente empreender uma linha de produção.

A decisão por terceirizar a CME deve ser bem ponderada pelos estabelecimentos de saúde e estudada cuidadosamente. O balanço entre as vantagens e desvantagens no processo de terceirização pode variar muito para as diferentes instituições.

 

A terceirização da CME não exime o estabelecimento de saúde pela qualidade do processamento dos artigos. Portanto, o prestador do cuidado à saúde é o responsável pela seleção de empresa qualificada, pela definição apropriada dos termos de contrato e pela elaboração de estratégias para o gerenciamento do contrato de prestação de serviços.

Mesmo que a CME seja completamente terceirizada, o estabelecimento de saúde necessita manter uma estrutura mínima referente ao processamento de produtos, para atender a pelo menos três quesitos essenciais: 1) evitar que o artigo sujo permaneça com a matéria orgânica ressecada antes da lavagem; 2) dispor de recursos para atender a possíveis situações emergenciais de quebra ou queda de artigos insubstituíveis durante o ato cirúrgico; 3) dispor de estrutura para o encaminhamento, o recebimento e a conferência dos artigos enviados. Ou seja, mesmo que ocorra a terceirização da CME, não haverá custo “zero” de processamento no âmbito interno da instituição.

 

No momento de elaborar o edital de chamada para os concorrentes, é preciso ter cuidados para não estimular a competição selvagem de proponentes. O edital deve ser claro nas exigências qualitativas para inibir as empresas de apresentar propostas econômicas aparentemente vantajosas, porém sem capacidade de assegurar a qualidade do processamento dos artigos.

É preciso estar alerta para não pactuar com condições inadequadas de trabalho que podem ser impostas aos trabalhadores que atuam na CME terceirizada.  Isto é particularmente importante no que se refere a biossegurança, que deve permear toda a cadeia de processamento de produtos para saúde. De acordo com a legislação vigente no país, a empresa contratante possui responsabilidade compartilhada no que tange as condições de trabalho do serviço contratado.

Não se pode perder de vista a linha de conceitual de que atuar em CME é prestar atenção em saúde, ainda que de modo indireto. A finalidade principal de uma CME será sempre a atenção ao ser humano. Temos que garantir que este indivíduo poderá confiar de que os produtos utilizados na assistência à sua saúde estarão livre de germes e de agentes tóxicos, completamente funcionais e disponíveis no momento em que ele mais precisa.

 

Bibliografia

Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Consulta pública n. 34, de 03 de junho de 2009. Dispõe sobre o funcioanmento de serviços que realizam processamento de produtos para saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União: 04 de junho de 2009. disponível em site da Anvisa    [consulta em 07 de junho de 2009]

Cea, H. La externalización de la central de esterilización. ¿Por qué? ¿Cuándo? ¿Como? El autoclave 1: 6-8, 2008.

Ceribelli MIPF. Terceirização dos serviços de esterilização. In: Padoveze MC, Del Monte MCC (coordenação). Esterilização de artigos em unidades de saúde. São Paulo: Associação Paulista de Estudos e Controle de Infecção Hospitalar, 2004. cap 5.

 

Maria Clara Padoveze é Professora Doutora do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva, da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.

 

A opinião deste artigo é de responsabilidade da autora

Imprima sua noticia!

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Pinterest

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Noticias Relacionadas

categorias

redes sociais