Entrevista Maria Águida Cassola

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Farmacêutica Industrial, atualmente consultora técnica na América Latina para Meiko. Atuou como Consultora de Negócios para diversas empresas na Europa e Ásia como Hawo, Dr. Weigert, , BHT e Human Meditek. Diretora e Negócios para Mercosul e América Latina das linhas de Automação e Esterilização da Johnson & Johnson e também como Microbiologista para Bristol Meyers Squibb. Participante como relatora da ISO Brasil. Publicações de artigos científicos nas áreas e esterilização e validação de processos.
Email: meikoconsultores@terra.com.br
Fone: 55 11 9 9798 1024

maria-aguida-cassolaÁguida, você abordou no 1° Conale ( Congresso Nacional de Limpeza e Esterilização ) online que foi realizado no ano passado o tema ” Segurança nos processos de limpeza e desinfecção de comadres e papagaios”, que também envolveu questões sobre contaminação por Clostridium difficile e processamento de utensílios de pacientes na CME. Ocorre que esta questão tem sido muito recorrente, há várias dúvidas por isso retomamos a temática. Para iniciarmos nossa entrevista gostaria que conceituasse : limpeza, desinfecção e descontaminação.

 

Vou dar as minhas definições de cada um desses termos, embora existam muitas definições e poderíamos falar sobre isso ininterruptamente. São meus pontos de vista, ok?
Limpeza: Remoção mecânica de sujidades orgânicas e inorgânicas com redução simultânea da carga microbiana. Principal fator para a limpeza é a remoção mecânica através de água, auxiliada por agentes químicos (detergentes).
Desinfecção: Feita a remoção mecânica através da limpeza, na desinfecção, os microrganismos restantes são reduzidos a níveis ainda mais baixos, onde não haja risco de infecção ou transmissão de patógenos. Pode ser obtida através de temperatura (desinfecção térmica) ou agentes químicos. Importante salientar que a redução de esporos nesse processo também é obtida, principalmente durante a fase de limpeza do artigo. Somente alguns agentes químicos conseguem agir sobre esporos. Na desinfecção térmica (sempre automatizada) normalmente usada para artigos semi- críticos também não se pode eliminar todas as formas esporuladas. Somente a esterilização elimina todas as formas esporuladas com fator de segurança.

Descontaminação: Não vejo esse termo como apropriado para o uso na área hospitalar. Me parece algo generalista, como reduzir qualquer tipo de contaminantes, sejam eles poeiras, sujidades, ou até mesmo contaminantes químicos que se tornam inócuos de alguma forma. Não gosto de usar esse termo. Prefiro Limpeza, desinfecção e esterilização.

O que são microrganismos gram negativos, gram positivos e qual a sua importância no processamento de produtos para saúde?
A denominação de coloração de Gram é usada para diferenciar estruturas de parede celular de microrganismos em forma de cocos ou bacilos. A estrutura química da parede celular de microrganismos está associada à patogenicidade, susceptibilidade a antimicrobianos e desinfetantes, colorindo-se de roxo (gram positivo) ou rosa (gram negativo). As espécies mais comuns são Staphilococcus (Gram positivos), Enterobactérias (Gram negativos), Pseudomonas (Gram negativos). Microrganismos esporulados (bacilos), são sempre Gram positivos. Todos os microrganismos (Gram positivos ou negativos) podem desenvolver resistência à antimicrobianos e desinfetantes, embora, os gram negativos sejam normalmente mais susceptíveis a ação desses agentes, tendo uma resistência mais baixa e, portanto, morrendo mais facilmente que os gram positivos.

Existe C.difficile na forma vegetativa? Nesta apresentação este microrganismo é viável no meio ambiente?
Todo microrganismo esporulado quando encontra condições apropriadas para reprodução, ou seja, temperatura, substrato orgânico, umidade, pode se reproduzir na forma vegetativa. Sendo um microrganismo anaeróbio, a reprodução acontece no intestino grosso de pacientes infectados. No ambiente se encontra na forma esporulada. Bom lembrar que muitos pacientes podem estar colonizados por C. Difficile e não apresentar sintomas, o que torna a contaminação cruzada mais crítica durante manipulação incorreta de processos.

Sabe-se que o C.difficile na forma esporulada sobrevive no ambiente por vários dias, há trabalhos científicos que evidenciam tal afirmação?
Alguns trabalhos demonstram que C. Difficile pode sobreviver na forma esporulada até por meses.
Alguns dos trabalhos são:
Best E .L. et al- Clinical Infection Diseases. 2010; 50; 1450-1457.
Hota B. et al – Clinical Infection Diseases. 2004; 39; 1182-1189
Kramer A. et al – BMC Infection Diseases. 2006:6; 130

Que medidas de prevenção você indicaria para evitar infecção por C. difficile?
O C. Difficile é um microrganismo esporulado, onde um paciente com esse tipo de infecção pode excretar 1 x 10 4 a 1 x 10 7 microrganismos por grama de fezes. Trabalhos mostram que contaminação ambiental com esporos de C. Difficile acontecem em 34 a 58% de áreas apesar de limpeza. (Best E .L. et al- Clinical Infection Diseases. 2010; 50; 1450-1457.) Sendo causador de diarreias aquosas profusas, megacolon toxico e colite pseudomembranosa, principalmente em pacientes debilitados, idosos, usuários de antibióticos podendo até causar septicemia e contribuir para morte do paciente, a melhor forma de prevenção é evitar disseminação desse agente. Para isso, os dejetos do paciente quando se usam comadres, devem ser manipulados o menos possível, ou seja, a comadre deve sair do paciente e ir diretamente à uma máquina termodesinfectadora específica para esse fim localizada no mesmo andar ou ambulatório onde se encontra o paciente. Esvaziamento de dejetos em privadas, lavagem prévias em banheiros ou expurgos contribuem enormemente para disseminação do agente e riscos de infecções cruzadas. Esse tipo de utensilio (que deveria ser considerado como semi-critico), não deve ser processado em centrais de esterilização ou áreas onde são processados instrumentais cirúrgicos.

De acordo com a sua resposta anterior é muito mais complicado e oneroso tratar um paciente contaminado por C. difficile do que adoção de medidas de prevenção?
Sempre é mais oneroso cuidar de uma infecção hospitalar, principalmente considerando-se os riscos associados a esse tipo de infecção (infecção por C. Difficile pode causar ou contribuir por 40% de mortes de pacientes com esse tipo de infecção, havendo dados de 25% de reincidência desse tipo de infecção). Outro ponto importante é com relação à proteção, segurança e respeito aos profissionais que trabalham nessa área: deve haver redução de manipulação e melhor gerenciamento do processamento de comadres.

Alguns dados indicam que a partir do ano 2000 cepas mais resistentes foram detectadas agravando os casos de pacientes infectados por este patógeno. Hoje existem dados mais atualizados quanto a patogenicidade deste agente (C.difficile).?
Já foram descritos na Grã-Bretanha, Estados Unidos e Canadá, subtipos de agente patógeno com maior virulência e resistência conhecido como ribotipo 027, que vem provocando aumento no número de mortes causadas por C. Difficile. No Brasil, não tenho conhecimento do isolamento desse subtipo.

Considerando-se que a maioria dos casos de diarréia estão associados a C. difficile ,como você percebe o papel da CME que processa utensílios do paciente no expurgo?
Sou totalmente contra o processamento de comadres e papagaios na CME.
Pontos que me fazem pensar assim são:
• Manipulação fora da área onde está o paciente aumentando muito a contaminação cruzada
• Tipo de microrganismos encontrados em fezes são diferentes dos encontrados em outros fluidos humanos
• Carga microbiana presente em fezes muito maior do que a presente em sangue
• Pessoal que trabalha com esse tipo de utensilio merece maior respeito e segurança para o gerenciamento da limpeza e desinfecção desses utensílios. A automatização no local de uso é fundamental.

Existem trabalhos científicos que evidenciam a relação processamento desses utensílios na CME e contaminação cruzada?
Na Europa, principalmente, a limpeza manual não é aceita, seguindo a norma ISO 15883 3, onde o processamento automático de comadres é obrigatório no expurgo dos andares. No Brasil e América Latina, o processamento automático ainda é considerado um “luxo” ainda que para instrumentais cirúrgicos, portanto, é difícil encontrar alguém que tenha feito um trabalho para mostrar esses riscos. Particularmente eu não conheço nenhum até o momento. O que precisamos fazer é iniciar pelo bom senso: basta comparar um local onde é feita a limpeza manual e automática desses utensílios e ver a diferença básica em termos de visual, odor, organização do ambiente, segurança e respeito ao profissional e ao paciente.
O que pode ser comprovado é que existe contaminação ambiental por C. Dificcile. Mencionei alguns trabalhos nas questões anteriores. Então, obviamente pode haver contaminação de ambientes onde se manipule utensílios contaminados por C. Difficile, incluindo a CME.
Seguem alguns sites onde se pode encontrar discussões e trabalhos apresentados em congressos e publicados em manuais sobre contaminação por C. difficile:
• www.cleanspaces.site.apic.org
• www.beckersasc.com ( buscar whitepapers- Clostridium)
• www.info.knip-consult (Gertie van Knippenberg- Gordebeke, RN)
• www.vhig.nl

Há estudos que abordam a eficácia de agentes químicos e inativação comprovada de C.difficile?
Esporos só podem ser inativados por determinados agentes químicos, que comprovadamente possam agir sob essas espécies. Tempo e concentração são fundamentais e geralmente demandam um tempo de processo que não é compatível com a rotina de trabalho para desinfeção de utensílios. Cloro e alguns agentes oxidantes são mencionados na literatura para desinfecção de superfícies infectadas por C. Difficile.
Tenho visto na prática no processamento manual no Brasil, o uso de álcool para a desinfecção desses instrumentais, o que torna o processo irremediavelmente ineficiente.
A inativação completa de esporos somente é obtida por esterilização.
Lavadoras termodesinfectadoras (de instrumentais ou de comadres) são utilizadas para desinfecção de materiais semi-críticos. A norma ISO 15883 3 estabelece um A0 entre 60 e 600, o que torna também extremamente importante uma fase de limpeza que permita através do design da câmara e jatos, a significativa redução logarítmica da carga microbiana.
Como exemplo, o equipamento da Meiko, empresa alemã especializada na fabricação de lavadoras termodesinfectadoras de comadres demonstra essa eficiência através de testes feitos no Laboratório HygCen – Centro de Higiene e Segurança de Produtos Médicos.

laboratorio

Que outros recursos existem no mercado nacional para evitar o processamento de utensílios de pacientes na CME?

Eu mencionaria que o conhecimento do processo e riscos envolvidos no processamento manual já dão subsídios para que haja uma conscientização dos profissionais responsáveis pelo gerenciamento do processamento desses materiais para proibir que tal processo seja feito em CME. O mercado brasileiro possui alguns modelos e marcas de lavadoras termodesinfectadoras já disponíveis para comercialização. Enfatizo, que tais equipamentos devem possuir registro de produto na ANVISA como lavadoras termodesinfectadoras e não somente como lavadoras.

 

Você poderia comentar quais são os requisitos principais de uma lavadora de fluxo (lavadora termodesinfectadora)?
Uma lavadora termodesinfectadora para comadres e papagaios deve cumprir os requisitos da ISO 15883 1 e 3, que estabelece requisitos de design e engenharia específicos para tal equipamento. Também a parte 5 da mesma norma dá subsídios para monitoramento do processo de limpeza das mesmas. Também já existem monitoradores de limpeza específicos de comadres e papagaios disponíveis no mercado brasileiro, que podem colaborar para o perfeito uso de tais lavadoras e para detecção de falhas de processo.
Algumas das características básicas a serem analisadas na escolha de um modelo de lavadoras de comadres são:
• Materiais e design da câmara
• Número e posição dos jatos de agua
• Conformação dos jatos sem risco de acúmulo de papel e matéria orgânica
• Sistema fechado (não pode haver saída de vapor para fora da câmara)
• Duplos sensores de temperatura
• Auto desinfecção
• Controle do dreno por sensor
• Personalização dos racks para cada necessidade
• Controle de dose agentes químicos usados
• Abertura de porta que evite contato do usuário na parte interna da câmara

Só para enfatizar cite a norma específica para lavadora termodesinfectadora para comadres e papagaios
Sim. Norma 15883 3, inclusive já traduzida pela ABNT e disponível no Brasil.

Curiosidade – Cliff em ação!!!

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